Levantamento mostra manutenção da previsão contratual em 62% das decisões proferidas

A maioria dos locatários não conseguiu na Justiça, em meio à pandemia da covid-19, trocar o índice de reajuste dos contratos de locação — IGP-M ou IGP-DI pelo IPCA, que estava muito menor entre os anos de 2020 e 2021. Levantamento realizado pelo Penna Marinho (PMA) Advogados mostra que o pedido foi negado em 62% das 63 decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o maior do país, entre 2020 e outubro deste ano.

Nessas decisões, que incluem imóveis residenciais e comerciais, os desembargadores aplicaram a Lei da Liberdade Econômica (nº 13.874, de 2019). Pela norma, “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.

Na pandemia, com o impacto causado com as decretações de lockdown e isolamento social, a saída para os locatários, principalmente de imóveis comerciais, foi negociar contratos. Nesse período, a diferença entre os índices foi significativa. Em julho de 2021, o IGP-M acumulado de 12 meses chegou a 33,83%, enquanto o IPCA variou 8,99%.

De acordo com o levantamento, o TJSP, em 27% dos julgamentos, decidiu pela alteração temporária do índice de reajuste — IGP-M ou IGP-DI pelo IPCA até o próximo ano do contrato. E em apenas 11%, os desembargadores definiram pela troca definitiva para o IPCA.

Coordenador da pesquisa, o advogado Gustavo Penna Marinho, do PMA Advogados, afirma que a maioria das decisões demonstra que os desembargadores optaram pela preservação do contrato. “Se as partes, que têm autonomia para negociar, entenderam naquele momento que era o melhor índice, é o que deve prevalecer”, diz. Para ele, esses julgamentos trazem segurança jurídica e revelam a necessidade de se ter mais atenção em cláusulas e condições contratuais.

O advogado destaca que essa discussão sobre troca de índice de reajuste não pode ser confundida com os abatimentos nos valores dos aluguéis na época da pandemia. “Boa parte dos locadores de imóveis deram descontos, em negociações, no período de fechamento do comércio.”

Na maioria das decisões favoráveis aos locatários, acrescenta Marinho, foi determinada a troca temporária com base no entendimento de que os índices deveriam se aproximar a longo prazo. Foi o que ocorreu em outubro. O IGP-M acumulou alta de 6,52% em 12 meses. O IPCA, 6,47% no mesmo período. No mesmo mês do ano passado, as variações registradas foram de 21,73% e 10,25%, respectivamente.

A diferença entre eles está na forma de cálculo. Enquanto o IGP-M calcula a variação de preço em todas as etapas de um produto — da fabricação à venda —, o IPCA leva em consideração apenas os valores finais.

Nos casos em que houve a troca definitiva, os desembargadores entenderam que havia um desequilíbrio de forças e que aconteceu um fato imprevisível, que justifica a intervenção do Judiciário. Para Marinho ” o tempo mostrou que essa interpretação estava equivocada porque os índices já começaram a se igualar. ”

Segundo o advogado José Nantala Bádue Freire, do Mannheimer Perez & Lyra, o levantamento confirma o que já esperava: a manutenção dos contratos. “Não me surpreende, mas acredito que o Judiciário deveria ter mais cuidado para tratar caso a caso”, diz ele, acrescentando que essa discussão sobre troca de índices de reajuste ocorreu também em casos de pensão alimentícia e contratos de financiamento.

Para Freire, com o IGP-M muito superior ao IPCA em julho de 2021, o TJSP poderia ter sido um pouco mais favorável à troca temporária do índice. Ele afirma que os artigos 393, 478 e 479 do Código Civil permitem a revisão de contratos em casos excepcionais.

“Nesses casos, há uma imprevisibilidade e as pessoas não se sujeitaram a esse risco. Se soubessem, certamente escolheriam outro índice. Estávamos diante de uma pandemia global, de ordem mundial, uma situação excepcional, que na minha opinião, exigiria uma intervenção um pouco maior”, afirma. Para Freire, o IGP-M estava descolado da realidade e deu um retorno melhor do que qualquer investimento de alto risco para os locadores.

Nos casos em que atuou, diz, preferiu buscar a negociação para redução de aluguel e alteração dos índices. “Na maioria, houve renegociação. Às vezes, consegui renegociar para que se fizesse uma média aritmética entre IGP-M e IPCA. Em outros casos, o locador aceitou o IPCA sem resistência”, afirma. De acordo com ele, foram negociados cerca de 500 contratos e foram ajuizadas apenas 20 ações. “Os próprios locadores estavam sensíveis à situação. ”

Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP, ressalta que o volume de ações sobre o tema, frente ao número de contratos de aluguéis existentes, foi muito baixo. Em geral, acrescenta, as pessoas preferiram negociar diretamente as alterações contratuais.

“Nós observamos, na prática, proprietários trocando o IGP-M pelo IPCA espontaneamente, proprietários mantendo IGP-M no contrato, mas reajustando aluguel com base no IPCA. A negociação entre as partes funcionou. Houve bom senso”, diz.

Sobre a prevalência de decisões judiciais a favor da manutenção do contrato, Sartori afirma que esse posicionamento é muito importante. “Isso traz segurança jurídica e atrai novos investimentos. Favorece o setor a médio prazo. ”

Por Adriana Aguiar — São Paulo

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/12/24/tjsp-nega-a-locatarios-troca-de-indice-de-reajuste-de-aluguel.ghtml