Em entrevista ao JOTA, nova chefe do órgão confirma que a União estuda recorrer à Justiça em caso de derrota Carf

Na primeira entrevista dada à frente da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), concedida com exclusividade ao JOTA, a procuradora Anelize Lenzi Ruas de Almeida afirmou que pretende “qualificar” a transação tributária, levando em consideração os riscos judiciais.

A procuradora citou como exemplo uma empresa que quer transacionar débitos e, por outro lado, possui créditos decorrentes de um processo em que discute a exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. A ideia seria trazer esses créditos para a mesa de negociação. “Vamos trazer isso pra cá, vamos botar tudo na mesa. A Fazenda nessa posição ativa e passiva. Hoje a gente faz transação com a Fazenda na posição ativa de recuperação do crédito, e quero juntar as duas partes”, afirmou.

Segundo Almeida, a inclusão não demandaria uma mudança normativa, apenas uma alteração na modelagem do processo de trabalho atual. “O monitoramento [do risco judicial] a gente já tem. Eu não tenho isso incorporado na modelagem da transação. Quem faz a transação é a dívida ativa, quem cuida do risco judicial é a defesa. É olhar de forma integral e juntar as duas partes dessa cadeia”, explicou.

A procuradora-geral conversou com a reportagem nesta quarta-feira (19/01), acompanhada pelo subprocurador-geral, Gustavo Caldas, e pela procuradora-geral adjunta de Representação Judicial, Lana Borges, que também adiantaram medidas da nova gestão à frente da PGFN.

Anelize Almeida também confirmou que a União estuda recorrer à Justiça em caso de derrota no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O assunto foi levantado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante a coletiva de lançamento das medidas econômicas do governo no último dia 12.

Segundo Almeida, a possibilidade está em estudo para os casos em que o Carf julga de forma contrária à jurisprudência dos tribunais superiores. Como exemplo, ela citou a aplicação da trava de 30% para o uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL no caso de extinção ou incorporação de empresas.

Segundo a procuradora, não seria necessário nenhum tipo de alteração legislativa para que a PGFN pudesse recorrer. A possibilidade estaria contemplada no artigo 12 da Lei Complementar 73/93, a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União.

Anelize Lenzi Ruas de Almeida é a segunda mulher a exercer o cargo de procuradora-geral da Fazenda Nacional. A primeira foi Adriana Queiroz, de 2009 a 2015. Na entrevista, a procuradora-geral também falou sobre os desafios de ser uma mulher em posição de liderança.

Confira abaixo, os principais trechos da conversa:

Quais serão suas prioridades à frente da gestão na PGFN?

Anelize Ruas de Almeida: Eu tenho algumas prioridades. Primeiro, entregar uma procuradoria melhor do que recebi. É um desafio porque eu recebi uma instituição robusta, organizada e com a sua institucionalidade preservada. O fato de eu ser uma procuradora de carreira e ter sido cogitada para assumir a procuradoria e de todas as pessoas da equipe serem colegas de carreira demonstra o quanto a procuradoria faz uma advocacia pública de estado sem se descolar do governo que conduz a política. Uma das minhas principais linhas é a valorização das pessoas. A gente passou pela pandemia, tem essa discussão do teletrabalho, o novo modelo de trabalho. Se você não tiver pessoas com saúde mental, os resultados não vão chegar.

Quando se fala em resultados, eu penso sempre: a transação é uma política que está funcionando muito bem. A gente saiu da classificação do crédito para os primeiros negócios jurídicos processuais, para transação, e agora a gente tem que dar um passo além. Tem que qualificar a transação. É uma coisa que eu tenho ouvido muito do ministro [Fernando] Haddad e da equipe dele. Quais são os riscos judiciais? Não só aquilo que a gente já tem, a gente sabe hoje quais os riscos dos processos que a procuradoria é parte, tanto parte ativa quanto passiva, mas a gente precisa olhar o risco judicial. Esse risco judicial eu quero incluir na transação.

Como a gente faz transação hoje? Vem um grupo econômico, faz uma proposta, a gente negocia, muito do ponto de vista da recuperação do crédito, que é para isso que serve a transação, mas a transação serve mais do que para recuperar o crédito, serve para reduzir a litigiosidade, resolver o problema das empresas. Aí você olha o passivo também, porque o passivo é caro. A discussão judicial de processos é cara para as empresas, é cara para o governo. Já que vamos fazer um acordo, uma transação, vamos incluir essa transação de repente como negócio jurídico processual. A gente está modelando como incluir esse risco judicial dentro do pacote da transação, para qualificar ela.

Essa nova ideia de transação que vocês estão mirando é aquilo que a gente já vê espelhado na Lei de Diretrizes Orçamentárias, com relação a riscos fiscais, ou é algo novo?

Anelize Ruas de Almeida: É um risco que já está mapeado. Se você é um grupo econômico e tem por exemplo crédito do Tema 69 [ICMS na base do PIS/Cofins]. Então você tem débito comigo, tem crédito no Tema 69, vamos trazer isso pra cá, vamos botar tudo na mesa. A Fazenda nessa posição ativa e passiva. Hoje a gente faz transação com a Fazenda na posição ativa de recuperação do crédito e quero juntar as duas partes. No fim, a transação é a mesma, os descontos, aquilo já está tudo previsto na lei. O que eu quero é ter um panorama da situação completa do contribuinte para podermos fazer uma negociação que tenha mais frutos e seja sustentável.

A ideia seria transacionar, por exemplo, em torno de grandes teses?

Anelize Ruas de Almeida: Não necessariamente. A transação de teses é uma modalidade prevista na lei. A gente já teve duas ou três experiências. Ela faz menos sucesso que a transação de negociação em si porque tem toda a análise jurídica de estratégia de escritório de advocacia.

A tese do ágio é um bom exemplo, é uma tese super contenciosa, dá uma litigância enorme, a procuradoria e a Receita lançaram [editais de transação] e a gente teve pouquíssimas adesões, se eu não me engano 20 poucas adesões. Agora, se você tem a tese do ágio e ao mesmo tempo tem um passivo de estoque de débito na Receita e na Procuradoria, porque a gente não senta para negociar?

Qual aperfeiçoamento pode ser feito para ampliar esse processo?

Anelize Ruas de Almeida: Vou te dar um exemplo que aconteceu no final do ano. Uma empresa de tamanho nacional em recuperação judicial super litigiosa há muito anos. Um estoque de dívida ativa quase R$ 1 bilhão impagável porque a empresa já acabou. Os advogados pediram uma transação, estamos há um ano negociando essa transação, o passivo que era quase R$ 1 bilhão. Negociamos, fizemos uma transação. Em paralelo a isso apareceu um mandado de segurança com uma tese transitada em julgado de 20 e poucos anos atrás e tinha dinheiro neste mandado de segurança.

Você fez uma transação sem olhar para isso. Por que? Porque não estava no nosso fluxo. Esse mandado de segurança, quando apareceu, ele resolveu a situação porque era dinheiro, então demorou quatro ou cinco meses. Isso é um risco judicial porque é um mandado de segurança com uma tese que a Fazenda Nacional nem recorre mais e tinha dinheiro do contribuinte ali. De repente a capacidade de pagamento dessa recuperação judicial já não era aquela. De repente você tem que começar do zero, o que é um desgaste porque a gente fez um acordo, eu assinei, você assinou, a gente combinou com aquilo. É isso que a gente precisa olhar, incorporar todo esse risco dentro do pacote da transação.

Precisa de alguma mudança normativa?

Anelize Ruas de Almeida: A princípio, não. É mais uma modelagem do processo de trabalho.

Vocês pensam em alguma transação para algum setor específico?

Anelize Ruas de Almeida: Neste momento, não. Ontem [17/1] a gente liberou duas portarias: uma específica de Simples Nacional, mais ou menos nos moldes do ano passado, e uma geral. Porque não faz sentido, na minha opinião, a transação direcionada para o setor. Muitas vezes o Congresso entende assim e os advogados entendem assim, mas a transação é um acordo bilateral, você olha para a situação do devedor e você customiza a solução para aquele sujeito, obviamente nos termos da lei. Isso é uma porta aberta da Fazenda Nacional para qualquer contribuinte, a qualquer momento.

É óbvio que tem a portaria que limita no tempo, tem a adesão, mas isso é mais para organizar o operacional do que, efetivamente, dizer: você não tem direito. Eventualmente, como foi durante a pandemia, que teve um setor que foi muito abalado, se o Congresso entender que naquele momento aquele setor merece um tratamento especial, a transação pode ser usada para isso, mas ela não é, na essência dela, uma política direcionada. Ela é uma política de solução de problemas do contribuinte com a Fazenda Nacional. Não é um parcelamento especial, a gente não está falando de Refis, a gente está analisando a capacidade de pagamento. Tem todo um sistema e uma equipe da dívida ativa que faz algoritmos, usa inteligência artificial para dizer qual é a capacidade de pagamento para resolver o problema do contribuinte. A gente está falando de dinheiro público e interesse público. Eu não posso sair dando desconto com era na lógica perversa dos parcelamentos especiais.

Até o ano passado existiam 15 modalidades de transação. Vocês pretendem crescer até esse número?

Anelize Ruas de Almeida: Não, acho que uma geral que caiba todo mundo dentro dela é ótima, olhando para dívida ativa, claro. Vai ter essa que a gente trabalhou no pacote do ministro Haddad [voltada ao contencioso administrativo], que é com um objetivo bem específico, dar um “up” no contencioso. É deixar no contencioso do Carf aquilo que realmente tem que ser discutido administrativamente, o resto vamos resolver, vamos regularizar o contribuinte.

Voltando na questão dos riscos judiciais. A ideia é que isso comece a rodar esse ano?

Anelize Ruas de Almeida: Esse ano.

É uma transação específica ou é um operacional que inclui isso?

Anelize Ruas de Almeida: É um antecedente. Talvez tenha que lançar um edital novo para dizer que vou considerar isso, depois que essa modelagem estiver pronta. Para dizer para o contribuinte: olha, a partir de agora a transação pode incluir também um contencioso.

Sabemos que existe uma série de ações judiciais de empresas que perderam processos no Carf e entram na Justiça para que o valor fosse inscrito em dívida ativa para poder transacionar com a PGFN. Tem algo que a PGFN planeja fazer a respeito disso?

Anelize Ruas de Almeida: Sempre tem. A transação foi uma política que nasceu na PGFN dentro da divida ativa. A gente construiu uma tese jurídica que é robusta, que está sendo colocada à prova. Essa política necessariamente tem que crescer, e o crescimento natural dela são os débitos da Receita Federal, os débitos administrativos não inscritos [em dívida ativa]. É natural que de 2019 para cá isso tenha sido mais focado na dívida ativa porque a gente estava começando. Agora é uma política robusta e de sucesso. A Receita, naturalmente, de forma muito inteligente, falou: opa, é um jeito de resolver também.

É óbvio que a transação tem alguns requisitos. Por exemplo: o débito tem que estar dentro de um contencioso tributário e tem algumas questões operacionais que a gente tem que azeitar com eles. Por que houve esse movimento que os contribuintes começaram a pedir a inscrição em dívida? Porque a Receita não estava com isso organizado naquele momento, ou estava muito incipiente.

Eu e o Gustavo [Caldas, subprocurador-geral da Fazenda Nacional] temos uma relação muito próxima com o secretário da Receita [Robinson Barreirinhas], e é muito importante para nós esse estreitamento de laços com a Receita Federal. Somos instituições irmãs, cada uma tem a sua competência e a sua estrutura, mas a gente tem que trabalhar em conjunto.

Ainda que a transação seja bem diferente do Refis, o crescimento da transação não acaba levando a um aumento do risco moral?

Anelize Ruas de Almeida: Tem sempre um risco moral envolvido nessa relação entre o Fisco e o contribuinte. Senão o maior, o central é o risco moral. Como a gente minimiza isso? A gente faz uma análise da capacidade de pagamento do contribuinte. Eu preciso olhar esse contribuinte de forma integral.

Um exemplo hipotético: tem uma empresa, a gente chega com a proposta de uma transação, você olha, são dez inscrições em dívida. Isso vem para a área do nosso Laboratório de Ciência de Dados da Dívida Ativa. Eles começam a olhar, opa, essa empresa tem capacidade de pagamento, mas não é só ela. Ela tem outra empresa lá no Amazonas, aí você chama a pessoa e fala: eu defiro essas, mas a gente forma o grupo econômico porque a sua capacidade de pagamento para receber o menor desconto é nessa empresa que é pequena. Você tenta minorar o risco disso virar um parcelamento rotineiro e totalmente desarrazoado e tenta minorar esse risco moral do contribuinte falar: não, vou deixar aqui e ano que vem vou lá e faço uma transação com eles.

Lana Borges: A Procuradoria tem crescido dia a dia com relação aos dados e metadados que a Anelize trouxe. Além dos dados e metadados em relação à dívida, a gente também tem esse monitoramento em relação à defesa. Então essa mesma empresa que traz uma proposta inicial para a Anelize nesse exemplo hipotético, a gente pode rastrear quantos, quais e onde estão os processos judiciais em que aquela empresa litiga. Então a transação também é avaliada nesse aspecto. O risco moral é minimizado porque a procuradoria tem se estruturado de um modo a conhecer tanto seus processos judiciais quanto as dívidas. A Procuradora tem se instrumentalizado para conseguir limitar esse tipo de uso enviesado da transação. A Procuradoria tem outros meios, inclusive o mapeamento das ações judiciais, para saber quais são e onde estão os processos e as dívidas dessa pessoa jurídica.

Tem algo mais que estão fazendo?

Anelize Ruas de Almeida: Um exemplo bem básico: a gente tenta controlar dados. É uma coisa que a gente precisa fazer. Não é hábito, tradição no Executivo Federal tomar decisões baseadas em evidências. A gente controla, pela tecnologia, o protocolo de todas as ações contra a Fazenda Nacional no Brasil inteiro. Esse mapeamento dos riscos a gente já avançou bastante. Agora a gente está tomando ações a partir disso. Incluir o risco judicial na transação é uma tentativa, um projeto, uma estratégia de também minorar o risco moral. O Carf vai ter que entrar nisso também. É uma ideia nossa. É por isso que é natural a expansão da transação para a Receita Federal, é natural que inclua o contencioso administrativo no Carf, é natural que em um futuro breve a gente vá azeitando esses procedimentos para que isso seja um grande acordo da União com aquele contribuinte.

Na coletiva de anúncio das medidas econômicas, o ministro Haddad e o secretário da Receita falaram sobre a possibilidade de a Fazenda recorrer quando perde no Carf em determinadas teses. Isso está no horizonte, vocês estão desenhando alguma medida?

Anelize Ruas de Almeida: Dentro do pacote das medidas que a gente discutiu com o ministro, que ele nos demandou nas primeiras semanas, esse assunto surgiu mais de uma vez. Há um desconforto grande quando você tem uma tese que é vencedora nos tribunais, principalmente no STJ [Superior Tribunal de Justiça], mesmo que não seja uma jurisprudência pacífica, mas você tem primeira turma e segunda turma na mesma linha, tem a formação de uma jurisprudência e de repente você tem o conselho, o Carf, julgando diferente e revertendo isso. Parece um desalinhamento. O Judiciário que todo mundo tem acesso livre está dizendo: “vamos por esse caminho”, e a gente está batendo cabeça. Em relação a, efetivamente, se vamos ajuizar ou não vamos ajuizar, estamos estudando.

Até porque isso decorre do artigo 12 da Lei Complementar 73 [Lei Orgânica da Advocacia da União], a PGFN tem competência para representar a Fazenda Nacional, e essa representação é ativa ou passiva, como a gente já entrou no passado. É uma competência que já está na PGFN. Está dentro do nosso pacote institucional, organizacional. Se vamos entrar, quando vamos entrar, qual é o assunto, isso tem a ver com estratégia. Estratégia do ministro, da representação judicial. Estamos estudando cada caso. Tem um tema que tem uma chance de vitória? A gente tem que estar discutindo se é MS [mandado de segurança], ação ordinária, ação anulatória, ação constitutiva.

Na tese da trava dos 30%, há decisões favoráveis à Fazenda no Judiciário. O Carf, em um caso específico, decidiu diferente. O judiciário faz um julgamento, ainda mais no sistema do processo civil hoje em dia, ele faz um julgamento que vale para todo mundo. Aqui não, aqui você está falando de um caso específico. Isso pode gerar essa concorrência desleal. Isso incomoda. Quando o ministro Haddad olhou para isso, falou: “Opa, isso me incomodou”. Como é que a gente resolve isso? Estamos estudando como a gente resolve.

Lana Borges: A própria Fazenda Nacional dispensa os procuradores de atuarem em caso em que as duas turmas do STJ já uniformizaram seu entendimento. No caso da trava dos 30% temos as duas turmas do STJ. Quebra a isonomia, quebra a uniformidade quando um contribuinte específico vai ao Carf e consegue uma decisão que é diferente de todas as decisões que o STJ prolatou sobre o tema. A gente tem um contribuinte com as mesmas condições fático-jurídicas, mas que, porque acessou o Carf, tem um tratamento diferente de todos os contribuintes que acessaram o STJ.

Por que não houve o recurso judicial, se existe esse desconforto?

Anelize Ruas de Almeida: A gente teve pelo menos dois casos, não muito recentes, dos últimos quatro ou cinco anos para cá. Um caso grande, que era um pouco diferente da mudança só de entendimento, nesse caso específico tinha uma alegação de fraude. Nos dois casos, a Fazenda não foi bem recebida, a gente perdeu os processos. Paga honorário, tem um custo para a União. A gente tem que tratar isso com muita parcimônia. Esse caso da trava de 30% é muito gritante, muito emblemático e a gente está estudando essa possibilidade.

Tem algum outro tema, além da trava dos 30%?

Lana Borges: A gente espera que não.

Para que a Fazenda possa recorrer após perder no Carf, é preciso alguma regulamentação?

Anelize Ruas de Almeida: A gente acha não. A gente acha que a PGFN tem legitimidade de representação por conta do artigo 12 [da LC 73/93].

Para casos que já terminaram no Carf poderia haver algum tipo de recurso da PGFN enquanto, por exemplo, ainda estava vigente o desempate pró-contribuinte? Ou estamos falando daqui para a frente?

Anelize Ruas de Almeida: Não dá para fixar um prazo, daqui até o ano passado, quando tinha o voto ou não tinha. É o caso concreto. Qual é a tese? Como é que foi esse processo no Carf? Como é que a gente vai discutir essa tese? A gente não tem dúvida em muitas teses. A gente tem dúvida é do processual.

Lana Borges: Tem um custo para fazer a máquina do judiciário rodar. Isso tudo é analisado. Tendo determinado valor, o processo sequer é executado, sequer a gente discute no Judiciário. Lembrando que tudo sai da mesma conta. As receitas públicas, em regra, são [provenientes de] cobrança de tributos. Não tem de onde tirar dinheiro. A árvore do dinheiro não existe. Quanto custa para o país uma ação judicial? Por isso, todo esse esforço para reduzir a litigiosidade.

Elevar o custo de acesso ao Carf não está em discussão?

Gustavo Caldas: A gente tem uma decisão do STF antiga, sumulada, dizendo que não pode cobrar depósito recursal. Tem modelos em outros países, na Espanha, por exemplo, que para ir para esfera administrativa tem que pagar o tributo previamente. Mas o nosso modelo é esse, e não tem como mudar e ter custo de cobrança. O custo da litigiosidade no Carf é barato. É um custo muito baixo.

Os processos ficam pendurados no mínimo uns seis anos. Tem processos de dez anos no Carf. O percentual de recuperabilidade do Carf hoje é 5%, e a gente está discutindo voto de desempate. A gente criou uma jabuticaba e está discutindo a folhinha da jabuticaba.

Acho que a discussão que a gente tem que fazer é: Faz sentido ter um contencioso que dure seis anos, nove anos? Acho que a linha a ser seguida, por enquanto, é acelerar os processos administrativos, conferir segurança, conferir agilidade e isonomia.

Outra que a gente também tem que trabalhar é a interpretação dada a uma determinada norma da Receita Federal pelo auditor que aplica a lei, pelo tribunal que julga e pela PGFN, em juízo, seja a mesma. Essa falta de uniformidade gera uma falta de segurança jurídica. De previsibilidade. E esse contencioso parece não fazer muito sentido.

Uma das principais críticas que vimos em relação ao pacote de medidas econômicas é que o Ministério da Fazenda estaria usando o Carf como se fosse um órgão arrecadatório. Como vocês veem essa crítica? 

Gustavo Caldas: Acho que a primeira pergunta é: Qual é o país que tem um tribunal administrativo, paritário, com voto de desempate a favor do contribuinte? A gente conversou com o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], recentemente. É uma jabuticaba tributária.

Lana Borges: A segunda pergunta a fazer é: Quem ganha com isso? E por que? Porque, vamos concordar, o pequeno contribuinte não acessa o Carf.

A senhora é uma mulher à frente da PGFN. Que responsabilidades isso traz?

Anelize Ruas de Almeida: É uma ótima pergunta, porque é uma responsabilidade ser mulher. Sou a segunda [procuradora-geral] na história da PGFN. [A primeira foi] doutora Adriana [Queiroz, que exerceu o cargo de 2009 a 2015], fui chefe de gabinete dela. Eu vim de uma família feminista, uma família matriarcal. Minha mãe é uma mulher muito feminista, muito forte. A gente aprende a ser mulher todos os dias, desde que é criança. E quando o ministro me perguntou eu falei: “Eu estou preparada”.

E isso é bacana, porque a gente nunca se acha preparada, por questões sociais, culturais, familiares. E depois de muitos anos de terapia, de sororidade, de mulheres maravilhosas ao redor me dando apoio eu disse para mim: estou preparada, eu posso assumir esse cargo.

Obviamente, não é um cargo que você assuma sozinha. Tem uma equipe, tem o Gustavo, tem todos os adjuntos aqui comigo. Tenho a responsabilidade de servir de exemplo para minha carreira, para outras mulheres, para minha filha. Para dizer: olha, existe um caminho que é possível. Não sou menos mãe, menos mulher e menos dona de casa porque sou procuradora-geral. Tenho uma rede de apoio aqui, tenho rede de apoio em casa. Não sou super mulher. Certamente vou chorar. Certamente vou fraquejar.

Além de servir de exemplo, acho que o fato de estar aqui abre portas para outras mulheres. A gente abre portas para todo mundo. Não quero deixar ninguém para trás na procuradoria. Mas quero abrir portas para mulheres, porque a gente tem anos de história deixando a gente para trás.

Fonte: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/pgfn-quer-incluir-risco-judicial-na-transacao-diz-anelize-almeida-19012023?utm_campaign