Casos antigos poderão ser abertos e discussão ainda atingir a “tese do século”

A conclusão do julgamento sobre a “quebra de decisões judiciais definitivas, prevista para dia 08/02/2023 em sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF), pode abrir porta para enorme judicialização. Desta forma casos antigos – já julgado pela Corte – terão que ser reabertos.

Essa discussão pode respingar na chamada “tese do século”, em que os ministros permitiram excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Empresas correm risco de perder parte dos créditos obtidos com as suas decisões individuais.

Os ministros começaram a decidir ‘quebra’ na semana passada e já há maioria dos votos necessários para que ocorra. Nove dos onze ministros se pronunciaram e todos eles se posicionaram no mesmo sentido.

Se confirmando o entendimento, decisões definitivas deixarão de ter efeito sempre que houver um julgamento posterior do STF em sentido contrário, em repercussão geral ou em sede de controle concentrado de constitucionalidade (em ADI, por exemplo).

O contribuinte que discutiu a cobrança de um tributo e teve a ação encerrada em seu favor – autorizando a deixar de pagar –, portanto, perderá esse direito se a Corte julgar o tema e decidir que a cobrança é devida. Após terá que voltar a pagar o tributo.

Essa sistemática muda o formato que se tem atualmente. Hoje, o Fisco pode pleitear a reversão de decisões, mas por meio de um instrumento específico, a chamada ação rescisória – que tem prazo de dois anos para ser utilizada e pode ou não ser aceita pelo Judiciário.

A maioria dos ministros – seis dos que votaram – também se manifestou contra a chamada modulação dos efeitos. Sem esse recurso, a Receita Federal poderá cobrar os tributos daqui para frente e também será passe livre para buscar valores, que por força de decisão definitiva, não foram pagos no passado.

Os casos em discussão – que servirão como precedente – envolvem cobranças de CSLL (RE 955227 e RE 949297). Com a modulação dos efeitos, a Receita poderia exigir o tributo somente daqui para frente. Sem a modulação, no entanto, as cobranças são possíveis desde o ano de 2007, data em que o STF decidiu pela constitucionalidade do tributo.

Sobre a “modulação dos efeitos” é o que mais preocupa os contribuintes e também o que mais tem gerado discussão no meio jurídico. Havendo a possibilidade de alta judicialização.

O ministro Luiz Fux, um dos poucos – até agora – se posicionou pela modulação dos efeitos. Fez esse alerta ao proferir seu voto na última quinta-feira. “Essa decisão pode criar um efeito sistêmico extremamente gravoso se, eventualmente, a tese contrária [contra a modulação] não for minimalista. Nós vamos reabrir vários casos de tributos considerados constitucionais ou inconstitucionais”, frisou.

Advogados dizem, que sem a modulação, as regras do jogo estarão claras somente para casos que serão decididos daqui para frente. Processos antigos, que já foram julgados e estão encerrados, virariam um problema. As cobranças poderão retroagir como no caso do CSLL? Valeria a data em que o STF se posicionou sobre cada um dos temas?

Há fortes expectativas, entre advogados, que ministros que já proferiram votos e se pronunciaram contra a modulação voltem atrás em seus posicionamentos na sessão de quarta-feira. Dois teriam indicado, em visitas aos seus gabinetes, que poderiam mudas seus votos.

Se isso acontecer, o placar vira, e a decisão para permitir a ‘quebra’ valerá daqui para frente somente. Se não, dizem os advogados, os contribuintes estarão preparados para brigar pelos casos antigos na Justiça.

Eles veem brecha em uma fala do ministro Luís Roberto Barroso, um dos relatores do tema na Corte, que proferiu voto na semana passada. “Não me parece ser o caso de modulação em relação à CSLL. Pode ser que em relação a outro tributo o tribunal possa rever”, disse.

Advogado tem mapeado pelo menos três teses grandes que podem ser afetadas: dedução da CSLL do Imposto de Renda, IPI na revenda de mercadorias importadas e a exigência de Cofins para as sociedades uniprofissionais.

A Vale está entre as empresas que podem ser atingidas. A companhia tem decisão judicial definitiva desde 2004 permitindo dedução do IRPJ os valores pagos a título de CSLL. Afirma. Porém que desde 2018 decidiu, por conta própria não fazer mais essas deduções.

Mas a decisão do STF, proibindo essas deduções, é de 2013 e a empresa foi autuada. A Receita Federal cobra valores referente aos anos de 2016 e 2017. Esse caso está em discussão no Carf.

No balanço contas o impacto de R$2,36 bilhões. A Vale informou que esse valor já foi reduzido na esfera administrativa para R$ 802 milhões.

Sem modulação de efeitos, além disso, inúmeras empresas beneficiadas pela chamada “tese do século” também poderão ser atingidas – mas a discussão neste caso é um pouco diferente.

Um grupo específico de contribuintes corre risco: aqueles que ajuizaram a ação para discutir a cobrança depois de março de 2017 e obtiveram decisão definitiva antes de os ministros concluírem o julgamento do tema, em maio de 2021.

Esse recorde de empresas beneficiadas pela “tese do século” existe porque ao concluir o julgamento, em maio de 2021, os ministros aplicaram a chamada modulação de efeitos.

Eles fizeram um recorte no tempo, usando como data-base o julgamento do mérito. De 15 de março de 2017 para frente nenhum contribuinte precisava mais recolher PIS e Cofins com o imposto estadual embutido na conta.

Mas foram criadas em situações diferentes em relação à recuperação dos valores pagos a mais no passado, antes da data-base. Aqueles contribuintes que tinham ações em curso de até o dia 15 de março de 2017 têm o direito à restituição integral (os cinco anos anteriores ao da ação).

Para quem ajuizou a ação depois de 15 de março de 2017, no entanto, a recuperação do passado ficou limitada. Vale a data-base. Uma empresa que entrou com o processo em 2018, por exemplo, pode recuperar o que pagou de forma indevida desde 2017. Sem a modulação de efeitos, ela teria até 2013.

Só que o STF demorou muito tempo para julgar esse caso. Foram quatro anos entre a decisão de mérito e a conclusão, por meio de embargos. E, por conta dessa demora, muitas empresas que entraram com ação depois de março de 2017 já haviam obtido decisões finais (sem qualquer limitação de tempo) antes da conclusão.

Para Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o direito obtido com esses processos individuais vai além do que o STF estabeleceu ao concluir o julgamento. Os procuradores tentam, desde 2021, reabrir processos e suspender parte dos créditos que as companhias têm direito.

Essa tentativa vem ocorrendo por meio de ação rescisória. Se, hoje, os ministros confirmarem a possibilidade de ‘quebra’ de decisões individuais sem a modulação de efeitos, poderão estar abrindo brecha para que todo esse trâmite das rescisórias seja descartado e o Fisco consiga, por conta própria, desconstituir as decisões definitivas das empresas.

Fonte: Valor Econômico